Publicado em 26/09/2014

A edição de 2014 do Cine Encontro teve início nesta sexta-feira, 26 de setembro, com debate em torno do documentário À queima roupa, dirigido por Theresa Jessouroun, que expõe os crimes contra a vida praticados no Rio de Janeiro pelas forças de segurança do Estado. A discussão foi mediada pelo jornalista Luiz Carlos Merten, do jornal O Estado de S. Paulo, parceiro de longa data do Cine Encontro, que ressaltou seu apreço pelo projeto.

Questionada por Merten sobre a escolha desta difícil temática, a diretora afirmou que trata sempre de questões sociais em seu trabalho, lembrando que a Chacina de Vigário Geral foi um marco que chocou o mundo inteiro, revelando para o mundo as ações criminosas da polícia carioca.

O advogado João Tancredo, um dos entrevistados do filme, falou um pouco sobre seu trabalho voluntário junto às vítimas da violência policial, apontando que o documentário mostra somente uma pequena parcela dos casos conhecidos. Tancredo declarou que existe uma política clara de extermínio por parte das forças de segurança. “Não podemos prestigiar os governantes que sustentam essa política de violência”, colocou. Jessouroun sublinhou a importância do trabalho do advogado, afirmando que as vítimas dessas atrocidades são muitas vezes pessoas inteiramente abandonadas pelo Estado, que não têm quaisquer ferramentas para perseguirem seus direitos legais. Tancredo lembrou ainda que, com a implantação das UPPs, o número de desaparecidos nas comunidades carentes aumentou significativamente: “A UPP não melhorou a vida dos moradores”, colocou.

Ainda nessa direção, o coronel Lopes, entrevistado no documentário, também se mostrou crítico ao processo de implantação das UPPs, expondo que a população não tem consciência de como se dá a dita pacificação das comunidades. “A segurança pública do Rio de Janeiro está muito mal conduzida”, disse.

Ignacio Cano, sociólogo que atuou como consultor do documentário, relatou sua experiência como pesquisador da violência policial carioca: “O que a gente tem é o capitão Nascimento, e o que a gente precisa é que a sociedade veja a realidade da barbárie”, declarou. Cano lembrou ainda que pesquisas mostram que cerca de 44% das pessoas concordam com o assassinato de criminosos pela polícia: “A barbárie está dentro de nós. Existe uma máquina de matar que nós, enquanto sociedade, montamos”, asseverou, lembrando da necessidade de iniciativas amplas de reeducação social.

Sobre a composição da trilha sonora da obra, cuja intensidade dramática Merten enalteceu, o músico Tim Rescala revelou que a intenção foi sublinhar os sentimentos que o impacto das imagens já evocava. “O grande desafio é achar o tom certo, colaborar com a narrativa, trazendo um ‘algo a mais’”, ponderou.

O fotógrafo Walter Carvalho, que assina a direção de fotografia do filme ao lado de Bacco Andrade e Fabrício Tadeu, salientou sua experiência com esse tipo de projeto. Ele fotografou Notícias de uma guerra particular, de Kátia Lund e João Moreira Salles, lançado em 1999. Sobre a função do diretor de fotografia nesse âmbito, colocou: “Não adianta espetacularizar a imagem num filme cujo tema é a morte e a vida”.

Carvalho elogiou a coragem da diretora ao tratar do tema. “É um exemplo. O cinema é um espetáculo, mas ele tem a função social de promover mudanças”, disse, ao que Jessouroun arrematou: “Eu acho que o cinema não muda o mundo, mas ele ajuda a refletir sobre questões importantes”.

Texto: Maria Caú

Fotos: Luiza Andrade




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