A Procura de Martina: com Mercedes Morán, drama aborda Alzheimer, memórias e traumas de uma nação Longa-metragem é uma coprodução Brasil-Uruguai, foi filmado em Buenos Aires e no Rio de Janeiro e integra a Première Brasil na mostra Novos Rumos
A Procura de Martina, de Márcia Faria
Por João Vitor Figueira
O que acontece quando uma pessoa que dedicou sua vida a evitar que o seu trauma familiar — que é também o trauma de uma nação — caia no esquecimento começa a perder a própria memória? Esta pergunta move o sensível drama A Procura de Martina, longa-metragem que marca a estreia da realizadora Márcia Faria como diretora de um longa-metragem e que abriu a programação da mostra Novos Rumos na Première Brasil Debates.
Em sessão seguida de bate-papo com o público realizada no cinema do Estação NET Rio no sábado (5), Faria celebrou a oportunidade de contar uma história que aproxima a bagagem comum de diferentes países latino-americanos, une política e experiência pessoal e levanta a bandeira do protagonismo feminino, com um elenco todo formado por mulheres, a maior parte delas com mais de 60 anos.
A Procura de Martina, de Márcia Faria
A atriz argentina Mercedes Morán interpreta a personagem-título, uma viúva que tem uma incansável atuação como uma das Avós da Praça de Maio, protestando, desde a década de 1970, em defesa do trinômio “memória, verdade e justiça”. Ela é mãe de uma militante presa, torturada e morta pela ditadura militar argentina após dar à luz um menino no cativeiro. O bebê foi sequestrado pelo regime e criado pela família de um militar. Ao receber um diagnóstico de Alzheimer, Martina sente que seu prazo para encontrar o neto está acabando e viaja de Buenos Aires para o Rio de Janeiro após receber uma pista de que ele estaria no Brasil.
“Todas estamos atravessadas por esses temas do filme, como a idade, a ditadura, o envelhecimento dos nossos pais. Alguns sofrem com o Alzheimer, outros com a senilidade, como a minha mãe. Ela me permitiu observar como essas enfermidades avançam e como eles vão se perdendo”, disse a atriz que já atuou em filmes como Diários de Motocicleta (2004) e Neruda (2016), e que na edição deste ano do Festival do Rio, preside o júri da Competição Principal da Première Brasil.
A Procura de Martina, de Márcia Faria
Morán ainda celebrou o talento de suas colegas de elenco, homenageou a atuação das Avós da Praça de Maio na Argentina, que definiu como “referências” e “faróis”, e lamentou que atualmente haja um crescente revisionismo sobre os horrores da ditadura em seu país.
Coprodução Brasil-Uruguai, o filme tem diversas cenas filmadas em bairros do Rio de Janeiro como Copacabana, Madureira, Tijuca e Jacarepaguá, marcando a segunda experiência de Mercedes Morán filmando no Brasil. A anterior foi em Sueño Florianópolis (2018), de Ana Katz, filmado em Santa Catarina.
Mercedes Morán e Adriana Aizemberg em A Procura de Martina, de Márcia Faria
O desenvolvimento de A Procura de Martina remonta ao ano de 2008, quando Márcia Faria ganhou um edital para produzir o filme. De lá para cá, muitos laboratórios de roteiro foram realizados e o texto foi reescrito dez vezes até chegar à sua versão final. Durante esse processo, a diretora teve um diagnóstico na família que a aproximou ainda mais da história.
“A minha mãe apresentou Alzheimer. Então o roteiro foi tomando outro rumo para mim, foi se aproximando muito mais da minha própria história e da minha vivência com ela”, revelou a cineasta.
Outra pessoa da equipe que teve uma forte conexão emocional com um elemento da trama foi a atriz Carla Ribas, que interpreta a mãe adotiva do neto de Martina e se emocionou muito durante o debate. “O filme mexeu muito comigo hoje. Já que a Márcia abriu uma coisa pessoal… Eu tenho um irmão desaparecido. Essa questão me pega muito profundamente”, assumiu.
Carla Ribas em A Procura de Martina, de Márcia Faria
Apesar da forte carga emocional representada na trama sobre uma mulher com uma doença degenerativa que passou por diversos momentos dolorosos, o filme apresenta um balanço entre as cenas de maior densidade dramática e momentos mais leves, em especial nas cenas com a atriz argentina Adriana Aizemberg, dona de um tino cômico que arrancou risadas do público durante a projeção do filme.
“Acho que foi um grande desafio para a gente dosar o humor do filme com o drama. No primeiro corte, o filme era quase uma comédia. Depois o vimos que o filme tinha que tomar outro rumo e fomos dosando isso”, revelou a cineasta. Márcia também explicou que visou criar uma protagonista que tivesse uma forte pulsão de vida apesar de suas tragédias pessoais, uma heroína que tivesse ousadia para buscar o que deseja. Assim, o filme destaca outros elementos da tenacidade do espírito de Martina, incluindo sua paixão pelo futebol, as atividades que faz para se manter ativa, além, é claro, da coragem que apresenta para nunca desistir de seus objetivos.
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