A política está à flor da pele na Mostra Retratos Falados Quatro documentários fortes debatem a herança da ditadura civil-militar, o embate entre diversidade e conservadorismo e a luta contra contra o preconceito e a discriminação no Brasil
A política está à flor da pele na seleção da mostra Retratos Falados, parte da Premiere Brasil 2016. Num país dividido pelas manifestações de rua e pelas disputas de poder, a 18.a edição do Festival do Rio revela que o cinema brasileiro continua afiado no debate de temas duros como a herança da ditadura civil-militar, o respeito aos direitos humanos, a luta contra o preconceito e a discriminação da comunidade LGBT, o embate entre diversidade e conservadorismo. Tudo isto está nos quatro documentários da seleção, que passeiam pelas trajetórias de brasileiros corajosos: Theodomiro Romeiro dos Santos, Jean Wyllys, a equipe da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (DECRADI) e os sofridos pacientes do Hospital Colônia, de Barbacena, Minas Gerais.
Os 87 minutos de Galeria F (Gallery F), de Emília Silveira, narram a história de Theodomiro Romeiro dos Santos, que começou a combater a ditadura civil-militar brasileira aos 14 anos e aos 18 foi capturado por agentes militares. Reagiu à prisão, matou um deles, que atirava em um de seus companheiros. Após sobreviver às torturas e cumprir nove anos de prisão, Theodomiro voltou a ser ameaça de morte e decidiu fugir. Este documentário refaz com Theo o caminho da sua fuga, 40 anos depois. Quem o acompanha nesta aventura é seu filho Guga que, pela primeira vez, entra em contato com a verdadeira História de seu pai. Tudo isto narrado num filme que pode ser assistido por espectadores com mais de 10 anos de idade.
Já Entre os Homens de Bem (The Stranger in The House) de Caio Cavechini e Carlos Juliano de Barros, mergulha nos corredores da Câmera dos Deputados. Em 106 minutos, o documentário traça o perfil do deputado Jean Wyllys e revela o quanto ele é um corpo estranho em um Congresso Nacional de tendências cada vez mais conservadoras. Durante três anos, os diretores acompanharam os passos do deputado como porta-voz da causa LGBT, antenado a discussões políticas que transbordam de Brasília para as ruas e para as redes sociais. Além disso, o documentário é um prólogo do atual cenário de crise de representatividade e polarização da política brasileira, e será exibido em sessões com entrada permitida para maiores de 12 anos.
Já Intolerância.doc (Intolerance.doc), de Susanna Lira, trafega no submundo dos crimes de homofobia e das brigas de gangues e torcidas organizadas na cidade de São Paulo. Mostra a jornada da equipe do DECRADI, a única delegacia brasileira especializada em crimes raciais e delitos de intolerância. São investigadores que saem todos os dias em busca de suspeitos que transformaram seu discurso de ódio em atos de abusos e assassinatos cruéis. Com narrativa de 85 minutos pontuada por revelações sobre as vítimas e uma intensa imersão no underground paulista, o filme revela a complexidade da natureza desses crimes, que estão se tornando cada vez mais comuns no Brasil. O filme é proibido para menores de 14 anos.
E, por fim, Holocausto Brasileiro (Brazilian Holocaust), dirigido por Armando Mendz e Daniela Arbex, leva 90 minutos para contar a história aterradora do Hospital Colônia, em Barbacena, Minas Gerais. Um hospital que foi fundado, no começo do século XX, para tratar tuberculosos e doentes psiquiátricos. Mas o que se escondia por trás daqueles muros era uma realidade estarrecedora: os pacientes partiam para uma viagem sem volta ao inferno. O lugar era o trágico destino daqueles que a sociedade considerava desajustados. Eram homossexuais, meninas grávidas abandonadas pelos namorados, prostitutas que já não se sustentavam, alcoólatras, e até crianças indesejadas pelos pais. Até a década de 1980, milhares de pacientes foram ali torturados, violentados e esquecidos. Cerca de 60 mil morreram. Os depoimentos são terríveis. O filme é testemunho da luta contra a discriminação e o preconceito que transformaram milhares de pessoas em pacientes psiquiátricos submetidos a abusos cotidianos. O filme é proibido a menores de 18 anos. E encerra a lista de filmes da mostra Retratos Falados, cuja seleção comprova que as paixões políticas em debate no Brasil precisam conhecer um pouco mais da história da violência nestas terras tropicais.
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