Publicado em 04/10/2015

A primeira sessão do Cine Encontro na mostra Fronteiras, ocorrida no Centro Cultural Justiça Federal na noite de ontem (sábado, 3 de outubro), seu deu após a exibição do documentário Filha da Índia. O filme, que aborda o caso de uma jovem estuprada por seis homens em dezembro de 2012, em Délhi, inspirou um apaixonado debate sobre a naturalização da violência contra a mulher no Brasil.

Viviana Santiago, especialista em gênero da ONG Plan Internacional Brasil, responsável pela campanha Quanto custa a violência sexual contra meninas?,iniciou a conversa assumindo seu lugar de fala como, enquanto negra, nordestina e mãe solteira, uma sobrevivente na sociedade brasileira. Segundo ela, o Brasil não estaria tão à frente da Índia quanto se pensa em termos de direitos das mulheres. Santiago apontou que a noção – datada, mas ainda forte no país – de que os homens devem afirmar seu valor conquistando o máximo possível de mulheres, e de que essas, por sua vez, devem “manter as pernas fechadas” é uma contradição que leva inevitavelmente a uma cultura de estupro. A mediadora do debate e curadora da mostra, Vik Birkbeck, acrescentou que a violência contra a mulher também é uma questão de poder – ao conquistarem novas oportunidades e um novo espaço na sociedade, as mulheres ameaçariam os privilégios daqueles que estão no poder, que respondem com raiva e agressão.

A advogada supervisora do Laboratório de Assessoria Jurídica a Organizações Sociais, Ana Paula Sciammarella, reafirmou a noção de que não estamos culturalmente muito distantes da Índia, narrando experiências vividas no Judiciário que evidenciam o quanto a nossa legislação de proteção à mulher é limitada na prática pelo machismo daqueles que deveriam garantir seu cumprimento, como juízes e policiais, que tomam como compreensível ou mesmo natural a violência de um homem contra sua esposa, e levam em conta a vida sexual pregressa de mulheres violentadas ao analisar seus casos.

Ao tomar a palavra em seguida, o deputado federal Jean Wyllys se preocupou primeiro em justificar sua presença em uma mesa na qual o lugar de fala da mulher é tão importante, lembrando sua atuação na Comissão de Direitos Humanos e Minorias, além de sua experiência pessoal como alvo de homofobia – mais uma expressão de uma sociedade que usa violência contra todos aqueles que não se conformam aos papéis de gênero esperados. Nesse ponto, Viviana Santiago observou a importância da presença do deputado, não como protagonista, mas como aliado, ao mostrar que também para os homens existe um papel na luta pelos direitos das mulheres: “Há outras masculinidades possíveis”, colocou.

Wyllys também abordou a naturalização da falsa noção da mulher como um ser inferior ao homem, citando a enorme sub-representação das mulheres em cargos de poder, a discrepância salarial entre homens e mulheres que realizam o mesmo trabalho, as implicações sexistas do maior mito fundador da civilização ocidental (Adão e Eva) e o papel de instituições como a religião, o governo e a linguagem na perpetuação dessas noções. E reiterou nossa aproximação da Índia em termos socioeconômicos, apontando o papel da pobreza e da desigualdade nas questões relativas à violência, e também a importância de acreditar nas transformações, nas segundas chances e nas medidas socioeducativas.

O público muito diverso que lotou a plateia também participou, trazendo questões como os excessos do politicamente correto, as gigantescas deficiências no atendimento público às mulheres vítimas de violência e as possibilidades de transformação. Santiago respondeu à primeira questão, destacando a importância do politicamente correto como arma para atacar o silenciamento das minorias e os estereótipos danosos. Sciammarella abordou a segunda, reconhecendo as deficiências do sistema, mas informando que as possibilidades de participação e fiscalização popular estão aumentando, e devem ser aproveitadas. Wyllys respondeu à terceira, afirmando a importância de sermos a mudança que queremos ver no mundo, sermos ativistas, atentarmos para a educação dos nossos filhos e, acima de tudo, vivermos sem medo.

Antes de Vik Birkbeck concluir a sessão, dedicando-a a todas as mulheres na plateia que já foram vítimas de alguma violência, Wyllys citou Caetano: “É preciso estar atento e forte. Não temos tempo de temer a morte”.

Texto: Clara Ferrer

Fotos: Nathália Benjamin




Voltar