A construção de Brasília nas memórias de uma infância O outro lado do paraíso, longa de André Ristum que narra a construção de Brasília e o Golpe Militar de 1964, foi debatido ontem no Cine Encontro
O Cine Encontro da tarde de domingo (5 de outubro) na Sede do Festival se encerrou com debate em torno de O outro lado do paraíso, longa-metragem de André Ristum que faz parte da Première Brasil deste ano. O filme, baseado no livro de Luiz Fernando Emediato, conta a história de Antônio (Eduardo Moscovis) e sua luta para encontrar na Brasília nascente dos anos 1960 um espaço em que sua família possa viver com mais conforto. A narrativa se baseia nas memórias de Emediato com relação a seu pai, assumindo assim a perspectiva do filho de Antônio, Nando, interpretado quando criança por Davi Galdeano, e que surge mais velho, rememorando seu passado, através da narração de Luís Melo.
A mediadora da conversa, a jornalista e crítica de cinema Patricia Rebello, apontou que a cidade de Brasília emerge como um personagem da trama e elogiou o diálogo criado por Ristum e pelo montador, Gustavo Giani, entre a narrativa ficcional e as imagens de arquivo que a permeiam. O diretor ressaltou a amplitude da pesquisa que antecedeu as filmagens e a força desses trechos documentais, que compilam desde imagens inéditas produzidas pelo fotógrafo Jean Manzon a excertos do documentário Brasília – Contradições de uma cidade nova, de Joaquim Pedro de Andrade.
O realizador explicou ainda que o projeto surgiu através do produtor Nilson Rodrigues e seu desejo de adaptar o texto de Emediato. Ristum colocou também que sua obra anterior, o longa Meu país, tratava da relação pai e filho, e disse que já planejava contar uma história que fosse narrada a partir das vivências de um filho ainda criança. O cineasta falou também da importância pessoal do tema para ele, que cresceu na Itália, filho de pais exilados durante a ditadura brasileira.
Neste ponto, o romancista informou que, incialmente, não tinha qualquer intenção de vender a história por conta de seu caráter bastante pessoal, mas que aceitou fazê-lo quando se tornou produtor do filme e pôde ter algum controle sobre o resultado final. Emediato confessou ainda ter gostado tanto da experiência que acabou por montar uma produtora de cinema, e revelou ainda que sua mãe, falecida há apenas um mês, teve a oportunidade de assistir ao filme, que a emocionou. “O filme é muito melhor do que o livro porque é muito mais profundo”, declarou.
A seguir, a equipe técnica abordou o processo de construção da narrativa. Hélcio “Alemão” Nagamine, diretor de fotografia, afirmou ter se surpreendido com a pesquisa ao descobrir os coloridos de Taguatinga em fotografias de época que não conhecia, e sublinhou a importância do trabalho conjunto com a arte ao tentar reproduzir esses matizes. Toninho Muricy, responsável pela captação do som direto, comentou o diálogo criativo estabelecido com Ristum e aplaudiu o trabalho de todos os outros profissionais de som envolvidos na obra.
O holandês Patrick de Jongh, compositor da trilha sonora, discutiu as dificuldades enfrentadas para criar um equilíbrio entre diálogos, sons ou ruídos e a música. “Certos ruídos e emoções também são trilha”, ponderou. Jongh destacou o trabalho com instrumentos brasileiros (percussões, violão e viola caipira, entre outros) e a participação do cantor Milton Nascimento. “A voz dele costura muito bem todo o arco musical do filme”, elogiou o compositor.
O elenco mais jovem, os atores Davi Galdeano e Maju Souza, falou sobre o desafio de compor os personagens e a tentativa de compreender melhor a época em que o filme se passa e o significado histórico do Golpe Militar de 1964. Eduardo Moscovis salientou a atualidade da obra, e confessou que o convite para interpretar Antônio chegou em um momento inesperado, quando ele planejava diminuir temporariamente o ritmo intenso da carreira. “Mas quando eu vi, já tava em Brasília”, brincou, expressando sua afeição pelo projeto.Por fim, ao comentar a feição política da narrativa, o diretor manifestou sua intenção de manter essa discussão como pano de fundo, a fim de conservar a poesia do texto de Emediato e fazer da relação pai e filho o foco principal da história.
Texto: Maria Caú
Fotos: Giulia Accorsi
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