Publicado em 07/10/2015

Nesta quarta-feira, 7 de outubro, o Cine Encontro recebeu no Odeon o maior público de sua história. Mais de quinhentas pessoas lotaram a sessão de Nise − o coração da loucura, de Roberto Berliner, e permaneceram animadas para assistir ao debate com elenco e equipe do filme, que narra os primeiros anos da médica Nise da Silveira (interpretada por Glória Pires) à frente do Setor de Terapia Ocupacional do Centro Psiquiátrico Pedro II, no Rio de Janeiro.

Questionado pelo mediador, o jornalista Luiz Carlos Merten, sobre a gênese do projeto, o diretor Roberto Berliner lembrou que o filme levou treze anos para ser concluído, definindo esse período como “um longo processo de maturação”. O realizador informou que a ideia inicial partiu do escritor Bernardo Horta, autor de Nise − arqueóloga dos mares, que conviveu com a psiquiatra nos doze últimos anos da vida dela, sempre anotando tudo que ela dizia. “Ela teve uma vida muito intensa. Para nós que conhecemos a Dra. Nise, este é um momento muito emocionante, ela está aí na tela”, declarou, apoiado pelo irmão, André Horta, diretor de fotografia do filme.

Ainda sobre a pluralidade de eventos marcantes na vida da médica, todos dignos de serem levados ao cinema, falaram a roteirista Flávia Castro e o produtor Rodrigo Letier, ambos sublinhando o desafio de encontrar um recorte para a narrativa, já que a trajetória da retratada suplantava muito as possibilidades de um único longa-metragem. Protagonista da obra, a atriz Glória Pires comentou a importância dos empreendimentos realizados por aquela mulher pioneira, principalmente no que diz respeito ao seu trabalho relacionado à arteterapia: “Ela era como uma mentora das artes aqui no Rio de Janeiro, uma personalidade cativante e surpreendente, que desenvolveu algo genial”, elogiou. A atriz explicou ainda que foi vivamente encorajada pelo marido, o cantor Orlando Morais, que havia lido o roteiro, a fazer o filme.

Glória Pires ressaltou a importância de a produção ter utilizado como locação e espaço para a preparação do elenco, coordenada por Tomás Rezende, o espaço real do hospital psiquiátrico em que Nise trabalhou, hoje rebatizado com seu nome. “Sentimos todo aquele peso, aquela dor, o ambiente trouxe toda essa carga para nós”, disse a protagonista. “Nenhum de nós saiu igual desse processo”, admitiu o diretor, ao que Georgiana Góes, que interpreta Martha Pires, uma das assistentes da psiquatra, completou: “Tudo aconteceu lá, as paredes daquele hospital tinham vida”.

A esse respeito falaram ainda os atores Simone Mazzer e Roney Villela, que interpretam dois pacientes (ou como a médica preferia chamá-los, clientes) do hospital psiquiátrico: “Ficamos praticamente internados durante três meses”, lembrou Mazzer. “Era difícil voltar para casa e dormir, olhar as pessoas da mesma forma. No segundo dia eu decidi que nunca mais na vida iria reclamar de nada”, disse a intérprete de Adelina. Já Villela contou que o desafio maior era encontrar o tom do seu personagem, Lúcio: “Eu queria que fosse crível, que a loucura viesse de dentro para fora e transbordasse naturalmente, e não apenas de forma técnica”, explicou, se dizendo inteiramente transformado pela experiência.

Também presente no debate, a psicóloga Gladys Schincariol, atualmente coordenadora do Museu de Imagens do Inconsciente, fundado por Nise, parabenizou toda equipe pela dedicação ao projeto, em especial o diretor: “Quero agradecer pelo grande maestro que você é, você fez algo extraordinário”. Ao ouvir o elogio, Berliner prontamente rebateu: “Éramos uma orquestra de oitenta solistas”, brincou. 

Na plateia, era visível a emoção daqueles que conheceram Nise, seus “ex-clientes” e algumas pessoas portadoras de transtornos mentais, que afirmaram se sentir representadas pela obra. Não faltaram depoimentos comovidos.

Por fim, o diretor tentou sintetizar a genialidade de Nise: “Ela foi capaz de olhar para onde ninguém queria olhar, percebeu que havia uma sabedoria imensa nesses farrapos humanos que eram os doentes psiquiátricos da época. Ela não seguia as práticas terríveis de tratamento, era desobediente”. Nesse ponto, ouviu-se uma voz em meio ao enorme público, apressando-se em corrigir: “Revolucionária!”.

Texto: Maria Caú

Fotos: Lariza Lima




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