Publicado em 11/10/2023

As Polacas, drama baseado em fatos reais que integra a Première Brasil, foi exibido no Cine Oden - CCLSR na tarde desta quarta-feira (11/10) em sessão acompanhada por um debate com a equipe do filme. 

“O que me tocou ao fazer esse filme foi falar de uma história que se passa em 1920, mas que é muito contemporânea”, comentou o diretor João Jardim. O longa-metragem narra a história de imigrantes polonesas que, fugindo do antissemitismo e da guerra, chegavam ao Brasil, eram aliciadas com falsas promessas e logo se viam obrigadas a se prostituir.

“Essas mulheres estavam tão submetidas que só tinham umas as outras para se apoiar. E o bonito desse filme é a sororidade delas”, avaliou Jaqueline Vargas, que assinou o roteiro com George Moura, Teresa Frota e Flávio Araújo. A trama é inspirada nos livros “El Infierno Prometido”, de Elsa Drucaroff, e “La Polaca”, de Myrtha Schalom.

No filme, Valentina Herszage interpreta Rebeca, uma jovem mulher que desembarca no Rio de Janeiro com o filho pequeno para encontrar com seu marido que havia chegado ao Brasil um tempo antes. Rebeca logo descobre que seu esposo havia falecido. Sem dinheiro ou apoio na cidade, a estrangeira é cooptada por Tzvi, um cafetão judeu que controla seu bordel com mão de ferro vivido por Caco Ciocler.

Luiz Carlos Merten, crítico de cinema que mediou o debate, comentou que este é o segundo filme da Première Brasil neste ano que traz Herszage no papel de uma mulher vítima de violência — ela interpreta uma presa política torturada pela ditadura em O Mensageiro. Bem humorada, a atriz respondeu: “Minha família não aguenta mais”.

Ela elogiou a sensibilidade do diretor e citou o acolhimento que teve no set de filmagens, com muitas mulheres na equipe, além do elenco majoritariamente feminino, como um fator que favoreceu que ela se sentisse segura ao representar momentos de violência de gênero.

Sobre as cenas de abuso e agressão, a atriz conta que encontrou numa atuação contida uma maneira de representar o impacto daquelas violências contra sua personagem. “Há cenas tão extrema e tão desesperadoras que a gente optou por mostrar como aquilo causa uma morte dentro dessa personagem e, ao mesmo tempo, uma faísca de desespero para fazer algo em relação a isso.” 

Para João Jardim, o roteiro concebe Rebeca como uma guerreira, não como uma vítima e ele considera que isso ajuda o filme a dialogar com as questões femininas da contemporaneidade.

Quando Merten notou que este era o segundo filme de Ciocler como antagonista — o outro foi O Meu Sangue Ferve Por Você, exibido fora de competição na Première Brasil —, o ator comentou que tem recebido muitos convites para personagens do tipo, algo que tem sido tema de conversas com amigos e que ele até já levou para a terapia.

“Acho que o cinema está com uma preocupação de redistribuir um pouco quem é quem na sociedade brasileira”, opinou o ator. “Então acho que a gente está vivendo um momento em que o homem branco, cis e heterossexual não é mais chamado para viver os heróis dos filmes. Não é à toa. Eu tenho sido chamado para fazer a denúncia do machista, a denúncia da fragilidade masculina, da ignorância masculina, do equívoco masculino. Estou servindo a isso com muita alegria.”

George Moura recordou que conheceu Caco Ciocler em 1995, quando o ator ainda era estudante de teatro e ele trabalhava como o olheiro de um diretor. Ao acompanhar a desempenho do artista na telona, o roteirista ficou impressionado com o desempenho do ator e disse que ter personagens sombrios “é muito bom para a dramaturgia”.

Iafa Britz, produtora de As Polacas, não subiu ao palco do Odeon, mas também contribuiu para o debate. De família judia e de origem polonesa, a produtora pediu a palavra direto da plateia para comentar que história representada no filme passou por anos de apagamento e que longa vai ajudar a celebrar o legado dessas mulheres.

Na história real, as prostitutas judias que chegavam ao Brasil eram rejeitadas pela comunidade e não tinham direito a receber um rito funerário de acordo com suas tradições religiosas quando morriam. Seus corpos também não podiam ser enterrados em cemitérios católicos e elas muitas vezes eram enterradas como indigentes. Organizadas em um grupo que chamaram de Sociedade da Verdade, as trabalhadoras do sexo judias conseguiram construir um cemitério para elas e uma sinagoga.

“Falando na minha visão, para a comunidade judaica esse filme tem um lugar de healing, psicanaliticamente falando, de falar, assumir e se libertar”, defende Britz. “Vamos falar e nos curar disso, não vamos jogar para debaixo do tapete.”

Texto: João Vitor Figueira
Foto: Ian Melo



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